8 meses depois, greve dos caminhoneiros ainda faz vítimas

– PRECISAMOS FALAR SOBRE A TABELA DE FRETE –

Em maio de 2018, o Brasil assistiu atônito a uma greve sem precedentes, que assolou o país inteiro, causou desabastecimento, pânico, filas em supermercados e postos de gasolinas, cancelamento de voos, sem falar nas perdas inestimáveis aos mais diversos setores econômicos, que ficaram estagnados.

Poderíamos até questionar quem causou a crise, se foi uma imprudente linha de crédito para a aquisição de caminhões ou se foram os caminhoneiros que, inadvertidamente, adquiriram os veículos sem ter a noção exata se o mercado teria demanda para absorver toda a oferta que se criava. Porém, o enfoque aqui é outro.

Mandos e desmandos do Governo Federal tentando solucionar a crise evidenciavam a descentralização das tratativas e culminavam em crescentes demandas dos grevistas. Além de subsídios ao diesel, foi criada a famigerada “tabela de frete”, em valores absolutamente irreais e discrepantes do que o livre mercado estabelecia para isto, o que se fez em flagrante e indevida intervenção do estado na economia, na contramão da preservação à livre-iniciativa determinada pela Constituição Federal. Além disso, severas sanções àqueles que não cumprissem com a tabela de frete foram fixadas.

Não tardou até que diversas ações judiciais fossem ajuizadas questionando a legalidade e constitucionalidade da tabela de frete e das suas sanções. Começaram a pipocar liminares pelo país anulando os seus efeitos, sendo que a maioria destas decisões aproveitavam apenas àqueles que haviam ajuizado tais ações. Diante da crescente incerteza que se instaurou, o STF, em 15/6/2018, suspendeu todas a ações judiciais sobre o tema no país, avocando para si a competência para julgar a matéria em três ações que tramitavam no Supremo em que se buscava a anulação da tabela.

Em 6/12/2018, o Min. Fux, relator das ações no Supremo, suspendeu as sanções para quem descumprisse a tabela de frete, alegando que o “tabelamento de fretes tem gerado grave impacto na economia nacional, o que se revela particularmente preocupante ante o cenário de crise econômica atravessado pelo país”. Notícia alvissareira, não fosse o ocorrido apenas 6 dias depois, em 12/12/2018, quando o mesmo Ministro voltou atrás e revogou a decisão anterior, restabelecendo na íntegra a tabela de frete e as suas sanções fixadas pela ANTT. Em 7/1/2019, a FIESP e a CIESP obtiveram decisão liminar em primeira instância na Justiça Federal do DF – válida apenas às empresas a elas filiadas – que novamente impediu a ANTT de aplicar as sanções decorrentes do descumprimento da tabela. Esta decisão não entrou no bojo das ações suspensas pelo STF pois o seu fundamento era distinto, ao sustentar a revogação tácita da Resolução nº 5.820/2018, originalmente editada pela ANTT, em decorrência de peculiaridades no processo legislativo de conversão da Medida Provisória em Lei.

Desde a edição da famigerada “tabela de frete”, e ainda mais quando verificado este vaivém de decisões antagônicas no que deveria ser o porto seguro da população, muitos produtores tiveram de fazer uma escolha crucial: seguir a tabela à risca – comprometendo a sua competitividade no mercado e tendo por vezes que sacrificar empregos, dentre outras medidas indesejáveis – ou correr os riscos do seu descumprimento, acumulando significativos passivos potenciais, e ficando à mercê dos próprios fretistas.

As vítimas a que o título se refere não são apenas os empresários e seus funcionários, ou os próprios caminhoneiros, cuja situação está indefinida e prejudica qualquer planejamento de médio ou longo prazo. As vítimas são todos os brasileiros, que têm de conviver com um sistema que gera incerteza institucional e que, em última escala, afasta investimentos, aumenta a especulação e afeta a toda população, retirando a necessária confiança para a retomada do desenvolvimento.

Seguramente, o ideal seria o restabelecimento da livre-iniciativa e das leis de mercado com a revogação da tabela, seja por ato de governo, seja por uma decisão judicial. Enquanto não se tem uma decisão definitiva, temos de conviver com esta intervenção estatal na esfera econômica, manifestamente inconstitucional, e com a consequente insegurança dela decorrente. É até possível imaginar algumas soluções para contornar momentaneamente este problema e mitigar os riscos decorrentes, que deverão ser avaliadas caso a caso; porém, o melhor ainda seria o restabelecimento da lei da oferta e da procura.

O cenário é, de fato, incerto.  Mesmo ao empresário, que normalmente é mais habituado ao risco, a situação fica desconfortável quando o mesmo está associado à insegurança política, judicial e institucional, por isso é imprescindível estar atento aos desdobramentos jurídicos e das consequências econômicas, que resolva o problema de uma forma geral. Enquanto isso não ocorre, as decisões devem ser devidamente equalizadas e analisadas examinando cada caso em particular, para adotar a melhor estratégia visando eliminar passivos e evitar problemas futuros, bem como avaliar a chance de eventualmente obter algum ganho competitivo, diante do ambiente confuso gerado pela irreal tabela de fretes. Permanece válida a assertiva, que toda crise abre margem a oportunidades.