IPCA é o índice adequado para a atualização dos débitos judicias contra a Fazenda Pública

Muito se tem discutido sobre qual o índice correto para atualizar os débitos judiciais da Fazenda Pública, especialmente após o julgamento da ADIn nº 4.357, que, embora ainda não tenha seus efeitos modulados, já declarou a inconstitucionalidade da TR que vinha sendo aplicada. Pode-se entender que não haveria disposição vigente e que se estaria em um “limbo jurídico” sobre qual indexador utilizar, porém, após profundo estudo, chegamos à conclusão que, a despeito de algumas posições contrárias, o índice vigente é o IPCA.

Sua utilização está lastreada em decisão do STJ no REsp 1270439/PR, Rel. Ministro Castro Meira, 1ª Seção, DJe 02/08/2013, julgado em sede de recurso repetitivo e cuja aplicação nas instâncias ordinárias está expressamente determinada no §7º do art. 543-C do CPC. Ao julgar o recurso, a Corte Superior determinou que, nas condenações impostas à Fazenda Pública, “a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”. O julgado está, na parte pertinente, assim ementado:

VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL POR ARRASTAMENTO (ADIN 4.357/DF). (…)
14. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, ao examinar a ADIn 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto.
15. A Suprema Corte declarou inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” contida no § 12 do art. 100 da CF/88. Assim entendeu porque a taxa básica de remuneração da poupança não mede a inflação acumulada do período e, portanto, não pode servir de parâmetro para a correção monetária a ser aplicada aos débitos da Fazenda Pública. (…)
17. Como o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09, praticamente reproduz a norma do § 12 do art. 100 da CF/88, o Supremo declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, desse dispositivo legal.
18. Em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas.
19. O Relator da ADIn no Supremo, Min. Ayres Britto, não especificou qual deveria ser o índice de correção monetária adotado. Todavia, há importante referência no voto vista do Min. Luiz Fux, quando Sua Excelência aponta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que ora se adota.
20. (…) Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período.
21. Recurso especial provido em parte. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.
(STJ, REsp 1270439/PR, Rel. Ministro Castro Meira, 1ª Seção, DJe 02/08/2013)

Ainda que tenham sido deferidas algumas liminares em sede de Reclamação pelo STF – as quais interpretaram de modo equivocadamente abrangente a cautelar na ADIn nº 4.357 deferida pelo Min. Fux – a Reclamação nº 16.410 ajuizada pela União contra a decisão do STJ supra foi indeferida (Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 13/12/2013), de modo que a interpretação conferida pelo STJ em Recurso Repetitivo no REsp nº 1.207.439/PR segue vigente.

No despacho que negou seguimento à Reclamação, o Min. Marco Aurélio salienta que a decisão alegadamente violada, do Min. Luiz Fux na ADIn nº 4.357, possui eficácia restrita a “impedir a paralisação dos pagamentos e levantamentos de valores pela Presidência dos Tribunais estaduais”, ou seja, nada dispunha acerca de eventual manutenção da aplicação da TR já declarada inconstitucional.

Em suma, a decisão do STJ no REsp 1.207.439/PR, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos e que determinou que se aplicasse o IPCA no lugar da TR nas execuções contra a Fazenda Pública, segue em vigor. Ademais, o STF, na Reclamação nº 16.410, decidiu que a decisão do STJ não conflitava com aquela proferida na ADIn nº 4.357, que declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, o que, por consequência, confirmou a vigência da decisão do STJ e da aplicação imediata do IPCA.

Corroborando este entendimento, o Conselho da Justiça Federal atualizou o seu Manual de Cálculos por meio da Resolução nº 237/2013, que excluiu a TR e o substituiu pelo IPCA como critério de correção das condenações impostas à Fazenda Pública. De acordo com a notícia extraída do site do CJF, “essa modificação decorre de declaração parcial de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 4.357/DF. A decisão do STF afastou a aplicação da Taxa Referencial (TR) como indexador de correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública”. Da mesma forma, confirmando a eficácia imediata da declaração de inconstitucionalidade da TR, a Lei nº 12.919/13 dispôs no seu art. 27 que, no exercício de 2014, aplicar-se-á o IPCA para a atualização monetária dos precatórios.

Não se pode ignorar que há algumas decisões, mesmo em âmbito de tribunais superiores, que não aplicam esse entendimento. Um dos exemplos é o AgRg nos Embargos à Execução em Mandado de Segurança nº 4.149 (DJe 25/08/2014), de relatoria da Mina. Laurita Vaz, que, data maxima venia, aplicou de maneira equivocada a questão, atribuindo interpretação excessivamente extensiva ao alcance da decisão em cautelar do Min. Fux. Neste acórdão, ainda há remissão a Reclamações que foram julgadas procedentes no STF sobre a matéria, como a Rcl 17487, Min. Teori, que padece do mesmo vício sobre os efeitos da cautelar concedida na ADIn.

Em verdade, a simples leitura do despacho do Min. Fux demonstra que se fala tão somente na continuidade do pagamento do pagamento do precatório, determinando-se que não cessem os pagamentos, sem haver menção à suspensão da declaração de inconstitucionalidade do índice de correção.

Corroborando a conclusão do presente estudo, a 2ª Turma do STJ, no AgRg no AgREsp nº 413.941 (DJe 24/09/2014), de relatoria do Min. Herman Benjamin, adotou o precedente da Corte em sede de recurso repetitivo para determinar a aplicação do IPCA, e, embora não faça referência à cautelar do Min. Fux ou mesmo às reclamações, pondera que “até a publicação do julgamento final da ADI, é assente na jurisprudência do STF que, desde a publicação da ata de julgamento, a declaração de inconstitucionalidade surte efeito vinculante e eficácia erga omnes”.

Feitas estas considerações, fica claro a parte que executar os seus créditos oriundos do processos judiciais contra quaisquer entes da Fazenda Pública e utilizar o IPCA como indexador (a partir da vigência da Lei 11.960/09, que instituiu a adoção da TR e cujo dispositivo foi declarado inconstitucional por arrastamento) estará atendendo à orientação jurisprudencial vigente dos Tribunais Superiores.