Piso regional e o desvirtuamento da lei

No art. 7º da Constituição, os incisos IV, que trata do Salário Mínimo Nacional, e o V, que trata dos Pisos Regionais, se sucedem e possuem destinação específica. Todavia, a edição da Lei Complementar nº 103/2000 surgiu para tentar solucionar um problema inerente ao inciso IV, porém utilizando-se do inciso V.

Ou seja, até o ano 2000, sempre que o Governo Federal anunciava o salário mínimo (art. 7º, IV da CF), era obrigado a levar em consideração as limitações econômicas das regiões menos desenvolvidas do país e, com isso, limitava a concessão de percentual maior para os Estados mais desenvolvidos da Federação.

A solução política encontrada pelo Governo, foi a edição da LC 103/2000, que, valendo-se do permissivo constitucional do inciso V do art. 7º, autorizou os Estados a fixar pisos regionais para as categorias de trabalhadores sem convenção ou acordo coletivo, com base no crescimento de suas respectivas economias.

Assim, cinco estados do sul do país, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, passaram a editar leis com base na LC 103/2000, que ficaram impropriamente conhecidas como leis do “SALÁRIO MÍNIMO REGIONAL”.

Este contexto legal, que teve na sua gênese a distorção acima apontada, deu margem a outras e maiores distorções que vem se sucedendo em prejuízo à legalidade, à Constituição e à economia dos Estados.

Os governadores, percebendo que a fixação de percentuais elevados de reajuste do Piso Regional ou “Salário Mínimo Regional” lhes propiciava popularidade e inequívoco ganho político, passaram a enviar às Casas Legislativas projetos com percentuais acima da variação inflacionária e desvinculados da realidade econômica dos respectivos Estados. Os deputados, temendo pela impopularidade de questionar os aumentos irreais, tornaram-se reféns dos projetos enviados pelo Executivo e passaram a aprovar os mesmos, como se fosse uma instância meramente protocolar da vontade do Governador.

É fato notório que não se resolvem problemas econômicos com a fixação de valores elevados do salário desvinculados da realidade econômica. Fosse assim e bastaria estabelecer um salário mínimo de R$.2.000,00 e todos ficariam felizes e prósperos… Isso é um equívoco, pois elevação dissociada do crescimento econômico não gera riqueza, apenas provoca recessão e desemprego.

Não bastasse essa distorção da distorção, outra mais grave vem ocorrendo, qual seja a de usar o percentual da elevação do Piso Regional como fator de reajuste de todas as categorias de trabalhadores e não apenas aquelas sem acordo ou convenção coletiva, para a qual foi dirigida a Lei Complementar 103/2000.

No Rio Grande do Sul, é possível assistir a campanhas abertas e explícitas das organizadíssimas centrais sindicais, cuja mobilização justifica o superlativo. Reuniões em Palácio com o Governador, cartazes nas ruas em caríssimas campanhas de publicidade, manifestações constantes na mídia, não pelo Piso Regional, mas pelo PERCENTUAL; o número mágico, que irá alavancar as negociações coletivas e multiplicar as remunerações de todos os trabalhadores numa indevida e ilegal ingerência do Poder Executivo Estadual nas relações de trabalho entre empregados e empregadores.

Nos últimos dias do ano passado, foi sancionada a Lei nº 14.653/2014 que concede um reajuste de 16% no Piso Regional do Rio Grande do Sul, quando nossa economia tem crescimento previsto de 0,2% e variação inflacionária oficial estimada em 6%.  O irrealismo da “generosidade irresponsável” chega a ser aberrante e escancara sua natureza nitidamente eleitoral, sem preocupação com os danos que possa causar na economia e nas relações trabalhistas.

A Sociedade não pode ficar ao sabor dos apetites eleitorais, que pela via transversa de fixação de percentual desvinculado da realidade, estão interferindo diretamente nas negociações coletivas de trabalho, desestruturando planos de carreira e, infelizmente, gerando desemprego.

Não bastasse esse cenário extremamente grave, verifica-se que a ilegalidade foi ainda mais longe, pelo desrespeito explícito ao inciso I, do parágrafo 1º, do art. 1º da Lei Complementar 103/2000, que veda a instituição do Piso Regional no semestre em que houve eleições.

A atitude menos responsável do Executivo e do Legislativo de simular benesses irreais, que serão suportadas pelo setor produtivo da sociedade, precisa ser estancada pelo caminho da legalidade e da responsabilidade.

Utilizar a lei e o permissivo constitucional para fins diversos de sua finalidade é uma forma clara de ILEGALIDADE e INCONSTITUCIONALIDADE, com as quais não se compraz o Estado Democrático de Direito.