Sobre barragens

Este tema enche o país de dor, diante da tragédia ocorrida em Minas Gerais. Relendo a petição inicial de uma ação que ajuizamos em 2001, cujo tema era construção de barragem, encontramos a parte intitulada “introdução”, colocada antes da exposição propriamente jurídica, que vai abaixo transcrita.

A ação terminou com êxito, mas aquele introito, que objetivava mostrar ao juiz a complexidade desse tipo de questão, apresenta alguns aspectos que talvez poucos conheçam.

“Introdução

A construção de uma barragem é uma interferência do homem sobre a natureza.

A mudança de curso do rio, o represamento de água, as escavações e remoção de grandes volumes de rocha e terra constituem formidável intervenção humana sobre o ambiente.

Construir barragem é criar artificialmente grande lago, em benefício da coletividade. Seja para fins de abastecimento de água potável ou para gerar energia, a barragem é obra em geral portentosa, cuja execução acarreta extraordinário trabalho de planejamento e construção.

Por melhor que sejam os estudos prévios, por mais meticulosas as sondagens, por maiores que sejam as análises, o desenvolver da construção apresenta situações imprevistas, impondo soluções de curtíssimo prazo, que nem sempre as disposições contratuais contemplam expressamente e que as partes precisam resolver rapidamente. em prol do normal andamento da obra. Não há contrato ou projeto feito pelo homem que consiga aprisionar completamente as variáveis da natureza, prevendo todas as situações imponderáveis.

Neste contexto, se torna imprescindível, ainda que mínima, a lealdade entre os contratantes; a construtora, uma vez no local, com seus homens e equipamentos, fica em situação inferiorizada em relação ao poder do órgão contratante, que exige e determina, enquanto quem executa – escrava de prazos e multas – não pode interromper e questionar judicialmente os excessos, que por vezes lhe são impostos, no afã de concluir a obra dentro da data limite.

No caso presente, a ré tirou partido da sua situação privilegiada sobre o executor, postergando as pendências para o fim e, ao chegar ao final, negou reconhecer o devido, deixando a parte executora amargando o prejuízo.

A obra ficou pronta no prazo e é verdadeiro orgulho para o Estado. Construída dentro do melhor nível técnico, barragem moderna e exemplar. As populações das cidades vizinhas têm hoje regularizado o abastecimento de água, que antes era um martírio.

Porém a conduta da contratante ao longo e, especialmente, após a conclusão da obra foi, no mínimo, desleal, pois negou-se a ressarcir os inúmeros prejuízos suportados pela autora, razão pela qual, baldados todos os esforços de recebimento pela via administrativa, é com tristeza que se vê obrigada a propor a presente ação”.

Neste tempo de tristeza e comoção não se pode concluir que barragens sejam um mal em si. Porém, quando há negligência, os culpados têm de ser responsabilizados e punidos na forma da lei.